O crescente espírito violento

24 de Noviembre de 2017

[Por: Eduardo Hoornaert]




O século XX, e precisamente o período da Segunda Guerra Mundial (1940-1946), testemunhou atos de violência nunca dantes vistos na história da humanidade. Os anais mencionam principalmente três casos:

 

- Dresden 1945. Entre 13 e 15 de fevereiro de 1945, forças aéreas inglesas e americanas realizaram em conjunto o maior bombardeio da Segunda Guerra Mundial: 1.300 bombardeiros lançaram 3.900 toneladas de dispositivos incendiários e bombas altamente explosivas sobre o centro da histórica cidade de Dresden, na Alemanha, destruíram 39 km quadrados no centro da cidade e mataram entre 22 a 25 mil civis, ou seja, pessoas inocentes. O caso não é único, pois coisa parecida sofreu a cidade de Hamburgo em 1943, quando um bombardeio efetuado pelas mesmas forças aéreas matou 50 mil civis, assim como a cidade de Pforzheim 1945, onde 18 mil inocentes pereceram. Até hoje, essas ações não foram oficialmente qualificadas como ‘crimes contra a humanidade’. 

 

- Hiroshima e Nagasaki 1945. No dia 6 de agosto de 1945, as forças aéreas americanas lançaram uma bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima e três dias depois sobre Nagasaki. Resultado: 200 mil civis inocentes mortos. Até hoje, há quem justifica esses bombardeios nucleares, pois se alega que numa guerra convencional contra o Japão, um milhão de soldados americanos teria perecido. Não se verifica uma condenação formal desse massacre, por parte das autoridades americanas. Enquanto isso, hoje existem no mundo 17 mil ogivas nucleares, das quais 43 mil são ‘operacionais’, ou seja, prontas para uso imediato.

 

- Auschwitz entre 1942 e 1945. O nazismo alemão executou oficialmente um programa de eliminação de 11 milhões de pessoas, entre elas 6 milhões de judeus (dois terços de todos os judeus vivos na Europa na época) e 5 milhões de outras pessoas consideradas indesejáveis: ciganos, poloneses, comunistas, homossexuais, ex-prisioneiros dos soviéticos, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais. Se esse Holocausto foi oficialmente declarado um crime contra a humanidade, é principalmente porque a Alemanha perdeu a Segunda Guerra Mundial. Se ela tivesse sido vitoriosa não se falaria em crime contra a humanidade.

 

Esses fatos, vistos numa distância de 70 anos, suscitam hoje quatro inquietações.

 

A primeira inquietação provém do fato, já mencionado acima, que essas ações só dificilmente são qualificadas de ‘crimes contra a humanidade’ e que existem pessoas e instituições que, até hoje, as defendem. Isso é estarrecedor. Inclusive, há de se dizer que a opinião pública mundial por assim dizer fica alheia, nos dias de hoje, a ameaças claramente criminosas, feitas por pessoas de imensa responsabilidade social. 

 

Dou um exemplo bem recente. Em 07/10/2017, o Presidente americano Donald Trump publicou pelo Twitter as seguintes palavras: ‘apenas uma coisa funcionará’. Ele aludiu à resistência, por parte do governo norte-coreano, em aceitar a ordem de desarmamento nuclear formulada pelas Potências Ocidentais. Uma semana antes, na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, ele tinha ameaçado ‘destruir totalmente a Coreia do Norte’

 

Do outro lado, o Presidente norte-coreano Kim Jong-un disse, na Reunião do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores da Coreia, em Pyongyang, no início de outubro 2017, que os testes empreendidos pelo governo norte-coreano com armamentos nucleares tinham de ‘prosseguir’, pois eram ‘satisfatórias’. Efetivamente, a Coreia do Norte tem condições de lançar armas nucleares sobre a cidade sul-coreana Seul, por exemplo, que fica apenas a 50 km. de suas fronteiras e é aliada aos Estados Unidos. 

 

Segundo analistas, um ataque a Seul resultaria na morte de 2,1 milhão de pessoas e teria duradouras consequências graves para a saúde de 7,7 milhão de pessoas. Sem contar com a espiral de violência incontrolável que esse tipo de ataque seria capaz de desencadear.

 

Muitos dirão que as palavras de Trump e Kim Jong-un são apenas ‘retóricas’ e não resultarão em ações. Essa é a interpretação corrente da grande mídia. Mas temos de nos lembrar que, ao longo do período entre 1930 e 1940, quando Hitler proferiu repetida e insistentemente ameaças de guerra e destruição em massa, os governos e a imprensa dominante na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos minimizaram essas ameaças e não as tomaram a sério. Paradoxalmente, foi o próprio ministro de propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, que entendeu perfeitamente o que estava acontecendo e comentou, a respeito de Hitler: ‘esse homem acredita no que diz. Ele é perigoso’. 

 

As palavras de Trump e Kim Jong-un bastam para que sejam acusados formalmente como criminosos. Não se joga política com a vida de milhões de vidas humanas inocentes. Mas a opinião pública mundial não reage e isso confirma o que escrevo acima: ações patentemente criminosas dificilmente são qualificadas como tais, não só pelas autoridades responsáveis, mas igualmente pela opinião pública. 

 

Uma segunda inquietação é suscitada pelo fato que, quando comparamos o ano 1947 com o ano 2017, constatamos que a espiral violenta nunca foi desarmada, como revelam as estatísticas. Em 1947, a humanidade viveu um período de catarse depois da Segunda Guerra Mundial e dos genocídios provocados pelos nazistas. O grito ‘guerra nunca mais’ se ouvia em todo canto e houve um ‘baby boom’, ou seja, um aumento sensacional de nascimentos, sinal de maior confiança no futuro e menos estresse nas famílias. 

 

Mas logo depois de 1947 começou a ‘guerra fria’, com a corrida por armas sempre mais mortais e mais numerosas. Voltou o medo, embora de forma menos acentuada. O desmoronamento da União Soviética em 1989 trouxe a aparente vitória do neoliberalismo e da ideia que a humanidade teria alcançado uma paz nunca dantes experimentada, a ‘paz americana’, baseada no ‘sonho americano’. Ora, essa ´paz’ está baseada em violência. É inquietante verificar que a maioria das pessoas não percebe isso.

 

Uma terceira inquietação provém do fato que o ‘darwinismo social’, origem de violência contra povos e pessoas consideradas inferiores, ainda tem muita força e acaba como justificativa para as arbitrariedades que ocorrem em todo o mundo, por exemplo, contra os imigrantes, os oriundos de países mais pobres, os islamitas, os sírios. Isso nos lembra que a crença na superioridade racial ainda subsiste dentro da sociedade. 

 

As mentes continuam infectadas, de modo coordenado ou não, por um pensamento violento, dentro de um sistema que estimula a competição e o individualismo. Enquanto isto permanecer, nunca estaremos livres de fato. Um dos raríssimos sobreviventes do Holocausto ainda vivos (com mais de 90 anos), numa conferência recente na Espanha, declarou que podemos voltar a viver um novo Holocausto em maior ou menor violência, a não ser que gritemos, nos manifestemos e abandonemos nossa passividade. Só assim ‘os surdos’ podem começar a ouvir.

 

Uma quarta inquietação provém do crescimento do conservadorismo (fundamentalismo) em escala mundial. O mundo está ficando cada vez mais conservador. 

 

Uma pesquisa recente, realizada nos EEUU, sobre a iGeneration, também chamada Generation Z, ou Generation iPhone, iPod, Wifi, Whatsapp, iTunes (a geração dos que nasceram após o ano 2000), revela que essa geração vive com medo (você pode consultar essa pesquisa na Internet). Essa mais jovem juventude não sabe como interpretar a história. As pessoas culpam umas às outras sem razão. Assim como Hitler culpabilizou os judeus pelas crises econômicas na Alemanha dos anos 1920, nós ainda culpabilizamos os outros por crises que nosso próprio modo de viver causa. Isso é uma reação primitiva, assim como o fundamentalismo é um modo primitivo de ler os textos bíblicos. Será que podemos dizer que a humanidade ainda precisa ir à escola primária e aprender o abc, que consiste em tirar lições de fatos como Dresden 1945, Hiroshima 1945, Auschwitz 1942-1945, Trump e Kim Jong-un 2017? 

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