A ânsia pelo poder

13 de Setiembre de 2018

[Por: José Neivaldo de Souza]




Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna como criança jamais será sábio. (Rubem Alves)

 

A maneira adulta de enxergar a vida tem os óculos do poder e, portanto, tem gerado estranheza na forma de ver a vida. Rubem Alves foi um teólogo-poeta. Suas palavras nos provocam a uma séria reflexão e nos ajudam a ver a mediocridade de um mundo dividido.

 

Hoje, o contexto político em que vivemos tenso. Aproximam-se as eleições e nos deparamos com posições políticas que, invés de contribuírem para pensar uma nova sociedade mais justa e mais fraterna, pelo contrário, assistimos, e muitas vezes aplaudimos, uma patologia manifesta: a ânsia pelo poder. Estabeleceu-se um critério para este show: de um lado a “Direita”, do outro a “Esquerda”. Este critério é insuficiente para discernir o melhor lado, pois o uso da agressão física ou verbal, parece prevalecer ao método democrático. O filósofo Norberto Bobbio bem escreveu: “a renúncia ao uso da violência para conquistar e exercer o poder é a característica do método democrático, cujas regras constitutivas prescrevem vários procedimentos para a tomada de decisões coletivas por meio do livre debate, que pode dar origem ou a uma decisão acordada ou a uma decisão tomada pela maioria”.

 

Devemos ter cuidado ao brincar as palavras, principalmente porque nos encontramos frente a outro objetivo que é a conquista de liberdade, de justiça e respeito ao diferente. A ânsia pelo poder, contrária ao diálogo, se utiliza de todos os meios possíveis a fim de legitimar a ânsia de poder. A Bíblia tem sido utilizada como um desses instrumentos. Deparei-me com o texto de Eclesiastes (10,2) que fora usado por um determinado partido, que se entende por “Direita”, para convencer as pessoas acerca do bem e do mal. Gostaria de fazer algumas considerações sobre este texto: “O coração do sábio o inclina para a direita, mas o coração do tolo o inclina para a esquerda”.

 

O físico Albert Einstein, em sua feliz colocação, observou que sabedoria e poder dificilmente dá certo. Esta ideia de que o poder, inclinado à direita, porta a salvação, é ilusória. Não é esta ideia que a bíblia quis passar. Jesus se opôs ao poder e, particularmente, à ânsia por ele. Não só reagiu aos conservadores (sacerdotes, fariseus e saduceus), que interpretavam a Torah, legitimando o poder da época, mas também aos que, com empenho político e inconformados com a desigualdade social, buscavam restabelecer um poder messiânico, ao estilo do rei Davi.

 

Não há nos conceitos “direita” e “esquerda”, numa perspectiva bíblica, algum sentido político, ligado à ânsia de poder. Invés, indica um estado espiritual em relação a Deus, ainda que tenha repercussão nas relações humanas. No original hebraico, dizem respeito à relação de retidão perante Deus. Portanto, ao referirmos aos partidos políticos, alguém de “Direita” pode ser corrupto e injusto diante de Deus, assim como uma pessoa de “Esquerda” justa e correta na relação com o Divino. O problema é Ânsia pelo poder. Em que tesouro está o seu coração? (Mt 6,21). O poder, igualmente, atrai os tolos e corrompe os sábios. Não posso crer que é sábio alguém que, antes de chegar ao poder, já promete uma arma de fogo para cada “cidadão de bem”. Para que? Matar o outro? No amor há outros métodos. Jesus mandou Pedro guardar a espada; preferiu ser traído a adotar às ideias de Judas; adotou o caminho da Cruz à revolução sanguinária frente ao poder romano. Quem almeja beber do cálice de Jesus deve refletir sobre o seu lugar neste mundo.

 

Leio o texto bíblico (Mc 10, 35-40). Tiago e João, filhos de Zebedeu, pediram a Jesus que concedesse a eles a honra de se assentarem um à sua direita e o outro à sua esquerda. Jesus diz: “não sabem o que pedem”. Eles não estão na mesma sintonia do Mestre, ambicionam o poder. A lógica de Jesus é outra. No seu Reino os últimos são os primeiros; os que servem são maiores dos que são servidos. “Deus despede os poderosos com mãos vazias e exalta os humildes”, como cantou Maria (Lc 1,53). Nesta guerra de “Direita” e “Esquerda”, onde se manifesta a ânsia pelo poder, o único e mais importante lugar a ser almejado por um cristão, é o serviço ao Deus de Justiça e amor. Onde há amor, o poder se submete. Não é direita ou esquerda, mas serviço. É em vão toda campanha política que não considere o serviço, por amor.  

 

Cita

 

1 BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 1995, p. 16-17.

 

 

Imagem: http://poderciudadanoradio.com/2018/03/21/eres-de-izquierda-o-derecha-por-fin-un-test-te-lo-dice/

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