A inveja no país das maravilhas

15 de Febrero de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




“A alma não se alimenta de verdades. Ela se alimenta de fantasias”. Rubem Alves

 

 

Há fantasias que dão vida à alma e saúde ao corpo, mas, há outras que, ao tornarem-se insensíveis à dor alheia, engordam a si mesmas confundindo a alma e adoecendo o corpo. Animadas pelo desejo, se dirige aos vícios com a mesma força que se direciona para as virtudes. Elas são, a um só tempo, condutoras de vida e morte. É nesta ambiguidade das fantasias que situa uma das mais temidas das paixões: a inveja. 

 

A inveja, devido a sua natureza, é uma paixão que suscita interesse. Na história da literatura, não são poucos os autores que a abordaram produzindo contos, mitos, estórias infantis e narrativas religiosas. A maioria das produções não a vê com bons olhos, por isso dificilmente podemos falar de uma inveja boa? Na perspectiva cristã ela é sempre vista como uma paixão perversa. O que acontece, muitas vezes, é a confusão dos conceitos. É bom esclarecer que inveja não é admiração. 

 

A admiração, apesar de ser fruto do desejo e suas fantasias, ela se dirige ao outro ou às coisas sem querer o seu mal. “Admirare”, vem do latim e indica: olhar, contemplar. É um espantar-se com a vida; é considerar a estranheza externa e deixar que o outro seja. É o olhar de uma criança que se surpreende e se maravilha diante do novo. A filosofia nasce da admiração. 

 

A inveja, pelo contrário, se dirige aos próprios interesses e, com o olhar malicioso, não se importa com a falência alheia. Mais que cobiça, ela nega ao outro a felicidade e não aceita compartilhar da mesma alegria. Do latim, “invidia”, significa: olhar para dentro. A alma alimentada pela inveja, enxerga somente a si. Ela se alegra com o egoísmo e se irrita com a partilha. 

 

A admiração nos leva a enxergar o outro. ter vontade de fazer o que ele faz, conquistar os bens da mesma forma como ele conquista. A inveja nos leva ao “olho grande” ou “mau olhado” sem que nos preocupemos com a queda ou a destruição do outro. Os olhos do invejoso, voltados para si, fantasiam um mundo promissor e se aferra a ele como se de fato o possuísse. É tão vil que é vergonhoso confessá-la.

 

No campo das virtudes cristãs a inveja é um pecado, pois invés de ser uma paixão a ser freada, se impõe como um deus a ser obedecido e adorado. A Bíblia ensina através de testemunhos que a inveja é ardilosa, não por ser sábia, mas por ser velha e experiente, como o é a falta de caráter de alguém. De fato, ela aparece no pecado original dos primeiros pais: Por ela, Caim matou Abel. Fugindo deste pecado, o autor de Provérbios aconselha os seus leitores a não invejar os violentos (Pv 3,1; 24,1) e tampouco seguir os seus passos.  

 

Em Mateus (20, 1-16) Jesus ensina sobre o novo Reino, usando como ilustração a parábola dos trabalhadores da vinha. Alguns homens foram contratados para trabalharem na vinha, por um denário. Pois bem... enquanto trabalhavam eles viram que outros trabalhadores chegavam para o trabalho em horas diferentes do dia: às nove, ao meio-dia, às quinze e às dezessete horas. No final do expediente, no momento do acerto, viram que o administrador começou a pagar aos últimos o mesmo salário que iriam receber. Sentindo-se injustiçados, reclamaram ao senhor da vinha: “os que foram contratados por último trabalharam apenas uma hora, e o senhor os igualou a nós, que suportamos o peso do trabalho e o calor do dia”. O proprietário então respondeu: “não sou injusto. Você não concordou em trabalhar por um denário?  Receba o que é seu e vá. Eu quero dar ao que foi contratado por último o mesmo que lhe dei.  Não tenho o direito de fazer o que quero com o meu dinheiro? Ou você está com inveja porque sou generoso?”

 

O invejoso não suporta que o outro seja mais atendido ou abençoado. Por isso, Paulo alerta a igreja de Filipos escrevendo que até mesmo as boas novas de Cristo podem ser pregadas por inveja (Fl 1,15). Para ele, só o amor pode ser o antídoto para tal doença (1Cor 13). Tiago também viu que “onde há inveja e espírito faccioso aí há perturbação e todo tipo de perversidade” (Tg 3,16). Estas observações, encontradas nas cartas dos apóstolos, se encontram implícitas no Novo Testamento. 

 

A inveja é natural ao ser humano. Mas, se é assim, o que há de errado em ser invejoso? O Erro está em deixamos que ela nos domine e nos torne escravos de seu prazer a ponto de acharmos que ninguém é mais merecedor do que nós da prosperidade divina. É comum santificarmos esta paixão, principalmente quando temos a certeza de que a felicidade, tanto desejada, depende mais do ter que do ser.

 

A banda Legião Urbana, com Renato Russo no vocal, ironiza esta paixão cantando: “Vamos festejar a inveja, a intolerância e a incompreensão. Vamos festejar a violência e esquecer a nossa gente, que trabalhou honestamente a vida inteira e agora não tem mais direito a nada. Vamos celebrar a aberração de toda a nossa falta de bom senso. Nosso descaso por educação”.

 

 

Imagem: https://elsoldeoccidente.com/enlinea/2018/10/obsesiones-mentales-la-envidia-mata/ 

 

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