Preguiça: a chave da pobreza?

14 de Marzo de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




Há um dito popular: “a preguiça é a chave da pobreza”. Dificilmente, por indolência ou falta de interesse, paramos para refletir sobre esta frase. Que pobreza é esta? Não há ricos preguiçosos? O trabalhador será sempre rico porque não é preguiçoso? Esta identificação da preguiça à pobreza e do trabalho à riqueza precisa ser repensada. Maimônides, um filósofo judeu do século XII contestava essa teoria ao observar: “Se há renda sem trabalho duro, isso significa que há trabalho duro sem renda”. Há trabalhadores que vivem e morrem na pobreza e há ricos preguiçosos. É uma teoria sem fundamentos e que só serve a uma estrutura que prioriza o capital ao trabalho. Apesar destes pressupostos, a preguiça é uma realidade a ser considerada tanto numa perspectiva ética quanto religiosa, pois é prejudicial a uma cultura de justiça e igualdade social. Como repensá-la sob a ótica da ética e da moral cristã? Como reagir a esta realidade? São questões a serem levantadas e respondidas neste texto.

 

Uma pesquisa do Datafolha, publicada no jornal Folha de São Paulo, revela: quase a metade da população brasileira concorda que a preguiça é uma das causas da pobreza do país e do aumento da criminalidade. Mais da metade entende que, apesar da preguiça, é a falta de oportunidade de trabalho a causa da desigualdade e injustiça social. Uma sociedade capitalista, baseada no lucro, pode favorecer aos preguiçosos e sacrificar pessoas que trabalham arduamente.   A preguiça é natural ao ser humano e às vezes pode servir tanto à pobreza quanto ao progresso, como brincou Mario Quintana ao dizer que a preguiça de caminhar fez o homem inventar a roda. O problema não é a preguiça em si, mas como lidar com ela.

 

O Cristianismo trata a preguiça como um pecado. Como lidar com esta paixão que enriquece nossa ignorância e empobrece as bases necessárias aos valores éticos e morais de uma sociedade? Há duas passagens no livro de Provérbios (10, 5; 21,25-26) que nos ajudam a questionar esta realidade sem compará-la à pobreza econômica. A primeira identifica o preguiçoso ao insensato e vergonhoso: “Aquele que faz a colheita no verão é filho sensato, mas aquele que dorme durante a ceifa é filho que causa vergonha”. E, a segunda, reconhece o trabalhador como um cidadão justo: “O preguiçoso morre de tanto desejar e de nunca pôr as mãos no trabalho. O dia inteiro ele deseja mais e mais, enquanto o justo reparte sem cessar”. Com base nesta sabedoria, o apóstolo Paulo, séculos mais tarde, escreveu a Segunda Carta aos Tessalonicenses (3,11-12): “Pois ouvimos que alguns de vocês estão ociosos; não trabalham e andam se intrometendo na vida alheia. A tais pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem tranquilamente e comam o seu próprio pão”. Tanto o Primeiro quanto o Novo Testamentos tratam a preguiça como um mal a ser vencido e rechaçado.  

 

Como vencer este mal? Entre as diversas as reações, vale a pena citar algumas: 

 

1. Saber que para cada preguiçoso há uma pessoa trabalhando demais. O preguiçoso não tem autonomia e liberdade, além de se aproveitar dos outros, são sujeitos à humilhação e ao juízo alheio. Leon Tolstoi escreveu: “Você nunca deve sentir vergonha de seu trabalho, mesmo o mais humilde e sujo, mas deve sentir vergonha apenas da sujeira moral, que é a ociosidade do seu corpo, que é o resultado direto do consumo do trabalho de outros”.  

 

2. Não basta trabalhar. Não é qualquer trabalho que dignifica a pessoa. O traficante e o assaltante trabalham; quem vive da exploração do outro também trabalha. É preciso escolher um trabalho que seja digno, que promova a justiça, que colabore para a realização pessoal e a edificação da sociedade. 

 

3. Reagir a todo trabalho desonesto e espoliador. Confúcio orientava os seus discípulos a escolherem um trabalho bom e, com amor, dedicar suas vidas a ele, pois uma profissão, seja ela qual for, só não é vazia se desempenhada com amor e alegria. 

 

O Talmude, um dos livros básicos do judaísmo, ensina: “todo trabalho manual enobrece o ser humano. Se não ensinar a seu filho algumas habilidades manuais, irá ensiná-lo a roubar os outros”. Li uma fábula de Esopo a qual vale a pena parafraseá-la aqui: “Os ladrões e o galo”: uma chácara foi invadida quando clareava o dia. Os ladrões levaram o galo! Vendo que seria degolada a ave pediu clemência: “não me mate, pois eu ajudo a acordar as pessoas para trabalharem”. Os ladrões responderam: “eis um motivo a mais para te sacrificar. Você acorda também a nós que não queremos trabalhar”. 

 

O preguiçoso vê como obstáculo o que os trabalhadores veem como virtude.  É isso, a preguiça pode levar à ociosidade, ao vício e ao crime, independente da posição social que ocupa aquele que se sujeita a ela. 

 

 

Imagem: http://www.bygart.com/FichaArticulo~x~7-Pecados-Pereza~IDArticulo~3924.html 

 

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