Tudo Passa!

04 de Julio de 2019

[Por: José Neivaldo de Souza]




Ouço o “Trem do caipira” de Heitor Villa-Lobos com a maravilhosa Letra de Ferreira Gullar: “Lá vai o trem com o menino. Lá vai a vida a rodar. Lá vai ciranda e destino. Cidade e noite a girar. Lá vai o trem sem destino. Pro dia novo encontrar. Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar...”. Através de vários instrumentos, o musical orquestra o barulho de uma locomotiva que parte em direção a um destino. Em seu trajeto, pessoas ficam e pessoas vão. Como diz Milton Nascimento: “chegar e partir são só dois lados da mesma viagem. O trem que chega é o mesmo trem da partida”. Esta é a metáfora da vida. Este movimento nos diz: “Tudo passa e não podemos perder o trem da história”.  

 

A certeza de que tudo passa nos destitui do falso poder. Não somos seres realizados e conhecedores da verdadeira felicidade, pelo contrário, corremos atrás dela e muitas vezes a localizamos no passado ou no futuro; em nossas saudosas memórias ou em nossas expectativas. Por um lado, revivemos, nas lembranças, as alegrias de um tempo que se foi e nos alimentamos de ausências: ausência de uma data, de um lugar, de uma companhia ou de uma criança que, em forma de fantasma, nos atormenta com o “país das maravilhas”. Por outro lado, vivemos na expectativa de um por vir e, certos de que a vida escorrega entre os dedos, temos a ligeira sensação de que é preciso vivê-la intensamente, como sugeriu o poeta Mário Quintana ao dizer que é melhor viver como quem está gazeando a aula e não como quem vai para a escola”. Projetamos para um futuro, o mais próximo possível, um reino de alegria, sem os percalços do tempo atual. Talvez esta seja a melhor solução para o momento presente. 

 

Há um conto sobre um monarca justo. Ele governava com sabedoria, o seu reino vivia em paz. Com mais de 80% de aprovação e aclamado pelo povo, recebera de presente um anel cuja pedra era um relicário e a instrução de que o abrisse em caso de extrema agonia ou grande alegria. Um dia, atacado o reino, ele se colocou à frente da batalha e perseguido pelos inimigos, caiu com o seu cavalo num abismo. Pendurado em um galho e prestes a despencar de lá, se lembrou do anel e, abrindo a relíquia, leu na minúscula joia: “tudo passa!”. Nos momentos de aflição, há esperança. Em seguida, fora resgatado por seus guardas, saíra vitorioso na batalha. Em meio à festa de comemoração, num momento de extrema alegria, ele abriu novamente a relíquia e leu para que todos ouvissem: “tudo passa”. A vida, feita de momentos de tristeza ou alegria, é como um trem: vai passar.

 

Nelson Rodrigues disse: “tudo passa, menos a adúltera”. Se ela é o assunto que interessa em todo lugar, logo o amor bem-sucedido não importa. Nelson Rodrigues não está certo inteiramente. O amor “bem-sucedido” também é um assunto que importa, ambos passarão.   

 

A expressão “tudo passa” pode ser interpretada de todas as formas, mas prefiro, neste momento de crise, enxergar a vulnerabilidade da existência e esperar melhores dias. Cultivar a virtude da esperança é fundamental para que a vida, como o trem do caipira, continue o seu trajeto, o seu destino. É neste sentido que Santa Tereza de Ávila, diante das contradições humanas, não enxergou outra felicidade senão a atemporal. Sugeria às irmãs de sua comunidade “paciência” para lidar com os medos e as perturbações do dia-a-dia: “Nada te perturbe, nada te amedronte. Tudo passa. A paciência tudo alcança... quem tem Deus, nada falta. Só Deus basta”. 

 

 

Imagen: https://descobrindovida.blogspot.com/2015/12/tudo-passa-natural.html 

 

Procesar Pago
Compartir

debugger
0
0

CONTACTO

©2017 Amerindia - Todos los derechos reservados.