Ainda há esperança para o mundo

05 de Octubre de 2025

[Por: Marcelo Barros]




Neste mês de setembro, esse foi o assunto que, em diferentes lugares do norte da Itália, companheiros e companheiras de grupos cristãos de base escolheram para aprofundar em um diálogo fraterno e em uma perspectiva de caminhada. Formularam como pergunta: Ainda há esperança para o mundo?  

 

Perto de Verona, em um lugarejo chamado Sezano, desde 2009, os religiosos estigmatinos transformaram um antigo convento em Mosteiro dos Bens Comuns, coordenado por uma associação leiga que coordena movimentos sociais na região. Na quarta-feira, 17 de setembro, umas cem pessoas, entre homens e mulheres de organizações de solidariedade e alguns grupos de base refletiram sobre essa questão. Um grupo bíblico propôs como ponto de partida um versículo da carta que, no Novo Testamento é atribuída ao apóstolo Pedro: “Estejam sempre prontos (as) a prestar conta da esperança que existe em vocês” (1 Pd 3, 15).

 

Alguém ponderou:

 

A nossa esperança não pode vir de uma análise da sociedade. Se olhamos seriamente a realidade, será difícil colher esperança. A esperança só pode vir da nossa opção de fé e da nossa decisão de construir um mundo novo necessário e que sabemos ser possível”.

 

Uma organização de solidariedade recordou que, no 1º de janeiro de 1994, quando os governos dos Estados Unidos, Canadá e México iriam assinar o tratado de livre comércio (NAFTA), da selva de Laconda, no sul do México, as comunidades indígenas tomaram as ruas de várias cidades e começaram a rebelião zapatista. Era uma luta como a do frágil Davi contra o gigante Golias. Atualmente, apesar de todos os problemas que persistem, o tratado não foi assinado e o governo do México é obrigado a tratar com Chiapas como região semiautônoma, com organização própria indígena que deve ser respeitada em sua cultura própria.

 

Filletto é uma pequena localidade no campo a uns 30 Km de Turim, de onde, nos dias claros, se veem alguns picos dos Alpes, como o Monte Viso (Monviso) com seus quase 4.000 metros. Ali em uma das cinco ou seis ruas de casas aprazíveis, mora Monica e Marco, um casal de cristãos engajados que durante alguns anos, viveram em uma comunidade leiga no antigo Castelo de Albano. Hoje, com suas duas filhas jovens, trabalham junto a um grupo de solidariedade, principalmente com jovens africanos que tentam se inserir na região. Há quase três anos, encontraram Turck, jovem do Sudão do Sul que, quando criança, viu o seu pai ser assassinado na guerra civil do seu país, com sua mãe, escapou para a Líbia. Ali enquanto sua mãe era escravizada, ele foi colocado em um campo de concentração de crianças. Aos nove anos fugiu e conseguiu chegar na Argélia, onde viveu a adolescência e conseguiu estudar até o ensino médio. Há três anos, chegou na Itália e não tinha onde morar. Quem vê aquele rapaz negro, 21 anos, sempre com sorriso acolhedor e muito bem educado, não pode imaginar o que ele já passou na vida. Monica e Marco o acolheram em casa e hoje é para eles um novo filho. Dorme no quarto que era de uma das duas filhas que já não mora com os pais. Há um ano, Marco e Monica acolheram também Alfred, jovem da República dos Camarões, também sobrevivente de fugas e aventuras indescritíveis, técnico em conserto de carros velhos.

 

Nesses dias de setembro, no Castelo de Albano, onde nos seus últimos anos, viveu Monsenhor Luigi Bettazzi, bispo profético da Paz e da Justiça, fui convidado para falar sobre “Ainda há esperança para o mundo”. Mas, para que discorrer sobre esperança, quando temos vários exemplos de casais como Marco e Monica?

 

Perto da pequena cidade de Busca, ao lado de Cúneo, alguns quilômetros antes da fronteira entre a Itália e a França, em uma colina coberta de castanheiras e de frutas do bosque vê-se em um portão, como de uma propriedade rural, o velho letreiro: Comunidade de Mambré. Quando, em Filetto contei aos amigos que viria passar dois dias com essa comunidade, alguém me perguntou o que significa Mambré. Recordei que, conforme a Bíblia, Mambré era um antigo lugar de adoração, por causa de um carvalho considerado sagrado. Naquela época, as pessoas adoravam a Deus debaixo de árvores e não em templos. Assim como hoje, o Candomblé considera a gameleira (Iroko) um Orixá, para o antigo povo bíblico, o Carvalho era uma árvore debaixo da qual Deus gostava de descansar do calor do dia. Um dia, o velho patriarca Abraão descansava debaixo do carvalho de Mambré quando recebeu a visita divina, representada por três desconhecidos que vieram ao seu encontro e lhe avisaram que, mesmo acima dos 80 anos e casado com uma mulher estéril, ele e Sara teriam um filho ao qual ela deu o nome de Isaac (risada), porque a mãe riu, quando soube da notícia (Gn 18).  

 

Naquele norte da Itália, a comunidade de Mambré se organizou em um espaço muito belo, com uma vista linda e uma casa grande e acolhedora. Muitas pessoas passaram por ali. Atualmente, só restam Renzo e Piera, um casal de seus 80 anos e ela cuida de um irmão também idoso e doente. Ao encontrá-los assim os três sobreviventes, dentro daquela estrutura pensada para um grupo maior,  alguém comentou: “Não estamos mais em tempo de comunidade”. De fato, há trinta ou quarenta anos, por aqui e por ali, surgiram várias dessas pequenas comunidades laicas e livres. Poucas sobreviveram ao inverno da Igreja Católica nos tempos de João Paulo II e do neoliberalismo que se consolidou como cultura individualista na relação cotidiana da vida de muita gente.

 

Ao ser recebido por aquele casal e os poucos amigos que tinham vindo ali para me encontrar, lembrei-me do profeta Elias. Ele tinha fugido da perseguição da rainha Jesabel e chegou no monte da aliança (Horeb). Ali orou a Deus: “Mataram todos os teus profetas. Só eu restei e eles querem acabar comigo também”. Foi então que escutou a resposta divina: “Volta. Você não está sozinho. Eu reservei um pequeno resto de profetas” (1 Rs 19).    

 

Renzo e Piera se sentem sozinhos. No domingo, 28, à tardinha, reuniram umas 30 pessoas, a maioria, gente de idade que veio de cidades vizinhas para refletirmos juntos: Ainda há esperança para o mundo?

 

Qual mundo? No ponto de vista social da geopolítica mundial, o mundo se debate em mais de 50 guerras, há uma deterioração da democracia no mundo inteiro e um aumento descomunal da desigualdade social e da pobreza. Qual a esperança para o mundo? Talvez fosse bom lembrar o evangelho das palavras de Jesus que falam do fim de um mundo e anunciam um novo mundo no qual se manifestará o projeto divino da Justiça e da Paz. Desde já podemos falar dos sinais de esperança nas brechas do mundo e nas comunidades. Vocês são testemunhas da esperança que resiste. Mesmo se a impressão primeira é de que muitas das nossas comunidades estão frágeis e envelhecidas, elas são sempre, como Dom Helder Camara as denominava: “minorias abraâmicas”, frágeis e envelhecidas, mas com a força do Espírito, capazes de motivar e provocar muita coisa importante.

 

Na Itália, na 2ª feira, 22 de setembro, milhares de pessoas saíram às ruas em muitas cidades, de norte a sul do país, em solidariedade com o povo palestino. No sábado, 27, portuários de Gênova fecharam o porto em uma greve significativa para que nunca mais ali, se pudessem embarcar armas para o Estado de Israel. Como valorizar esses sinais de esperança?

 

Veio-me à mente uma história do velho oeste americano que Pedro Ribeiro me contou: Era uma cidade do sul dos Estados Unidos e ali, uma jovem apareceu assassinada. Os policiais prenderam um negro sem-teto que, por acaso, naquele dia, passava pela cidade. Decidiram executá-lo sumariamente. No entanto, para manter uma aparência de justiça, lhe deram uma chance. Colocariam duas bolas em um saquinho. Uma bola branca e uma preta. O rapaz deveria colocar a mão no saco fechado e escolher uma. Se, por acaso, escolhesse a branca, seria libertado. Se, ao contrário, tomasse nas mãos a preta, seria enforcado.

 

O pior é que no momento exato do processo, o rapaz viu que o delegado colocou no saquinho as duas bolas pretas. Não colocou a branca que tinha mostrado ao povo. Assim, não haveria esperança de salvação. O que ninguém esperava foi que ele colocou a mão no saco, tirou uma das bolas e ainda com a mão fechada, mais do que depressa, a engoliu. Depois, calmamente disse ao delegado e ao povo reunido:

 

- Vejam a bola que ficou no saco. Se foi a branca, é sinal de que eu tirei a preta e morrerei, mas se vocês encontrarem a preta, é sinal de que eu engoli a branca e sou inocente. Estou livre.

 

E ninguém pode contestar. Sempre resta uma esperança para quem não desiste de lutar.

 

Imagem: CEBI.

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